Estou sentado na areia da praia com as mãos apoiando o queixo e o olhar fixo no longe.
Na minha cabeça passam as imagens, (imaginadas), das caravelas a partir rumo ao desconhecido.
Uma ponta de inveja começa a crescer dentro de mim e em pouco tempo transforma-se numa exaltação que me enche por completo.
Partir para sítio nenhum, onde nada existe e onde tudo talvez nada se encontre!
Que aventura, que excitação, que desafio!
Vejo-me já a cruzar as águas dos oceanos, a minha imagem a rir de exaltação, reflectida no espelho prateado das ondas, as gaivotas a acompanharem-me no seu vôo perfeito, a incitarem-me com o seu grasnar ensurdecedor e aquela permanente sensação de estar quase a chegar a lado nenhum.
E se não há mais Terra? E se tudo acaba no espaço? E se não chego ao fim só porque não há fim nenhum?
É quase brutal a alegria de querer conhecer o desconhecido. Traz-me cânticos aos lábios, o meu cérebro trabalha a velocidades já mais atingidas, o meu corpo está dorido de tanta excitação inacabada.
Já lá vai tanto tempo e eu continuo a viagem com a mesma vontade com que a comecei.
De repente surge um ponto no horizonte que rapidamente ganha tamanho e importância.
É uma explosão de vida! Cheguei, consegui, descobri!!!
E é um paraíso, nada falta, tudo é bom, tudo é calmo. A sensação vai crescendo à medida da descoberta, cada vez é mais forte, mais completa.
Desta vez acertei!
Depois de tudo conhecido e explorado, passada a euforia da conquista, começo a reparar que afinal sempre deve haver melhor, sempre deve haver mais coisas, sempre deve haver mais calma, sempre deve haver mais ... tudo.
E recomeça a inquietação, o não poder estar parado, a falta de qualquer coisa para a qual devo estar fadado.
Aquela sensação dorida de que se tudo já está satisfeito, eu ainda tenho muita vida para descobrir, para viver, para criar.
Alguém precisa de mim, em algum sítio, em algum tempo, em algum espaço.
Nem que esse alguém, seja eu!
Preparo-me para a nova viagem, que no fundo é a mesma. E rio-me. Rio-me, porque os meus preparativos para a viagem, são partir!
Mais uma vez as sensações fortes e amigas tomam conta de mim: a boca ri, os olhos brilham, o corpo incha de excitação, a cabeça fervilha de idéias perfiladas, que nunca acabam, onde as outras não começam.
E parto mais uma vez com o coração ao alto, tendo como companheiro de viagem o meu próprio sentir.
E o que mais me espanta é que nada disto me cansa, porque nesta viagem tão longa, todos os dias há coisa nova, não há ondas que sejam iguais, nuvens que sejam parecidas, nem caminhos que se sobreponham.
Há um renovar constante, um renascer permanente. Até o caminho percorrido tem coisas para descobrir.
Mas o que é mais interessante, é saber que nunca vai acabar, que a viagem vai continuar e que se alguém me quiser acompanhar tem de ter a mais linda qualidade: é o nunca querer ficar!!!
Chegarei ao fim um dia?
Se chegar, meu Deus, não me faças acabar, enche-me todo de sentir e então faz-me ... explodir!!!
Escrito em 26 . 11 . 91
A "culpa" de aqui colocar este "escrito" é do Tiago R. Cardoso, que ao vir deslumbrar-nos com os seus contos, me fez lembrar de alguns que vou escrevendo.
8 comentários:
Ora, ora ... então temos mais uma revelação "contista" entre mãos?
Mas que grande caixinha de surpresas o amigo me saiu.
-Bom registo, não sei se o escreveu a pensar na primeira pessoa, ou em outro alguém, real ou ficção, mas julgo que este personagem jamais chegará ao destino, porque o lugar dele é em toda a parte.
Nesse caso ainda bem que sou culpado...
Destaco :
"Há um renovar constante, um renascer permanente. Até o caminho percorrido tem coisas para descobrir."
Brilhante escrito que absorvi de principio ao fim, aguardo por mais.
Amigo Ferreira-Pinto, com os meus anitos de vida quem é que não fez já muita coisa!
Obrigado!
Caro António de Almeida
Naquela altura estava mesmo a pensar em mim.
Digamos que era uma introspecção.
Obrigado pela visita!
Obrigado Tiago, pelas palavras e por assumires a "culpa"...eheheh
Bem...
Bem contado! Bebi com gosto cada palavra.
obrigado amiga Fa!
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