Tudo começou com uma pequena poça de água.
Tanto as autoridades como o povo, quando passavam por aquela poça de água, consideravam que era melhor acabar com ela, porque não estava ali bem, a água podia estagnar e aquilo era mau para todos.
A verdade, porém, é que todos passavam, todos criticavam, mas ninguém fazia nada.
A água que estava na poça ia ficando cada vez mais estagnada, mais podre e, curiosamente, à sua volta começavam a aparecer outras poças de água numa profusão tal que já não se conseguia saber qual tinha sido a poça original.
Levantavam-se algumas vozes que diziam ser imperativo secar aquelas poças, porque senão, era grande o risco de um dia ser impossível controlar aquelas águas.
Mas a verdade é que se alguns não ligavam nenhuma ao assunto, atarefados que andavam nas suas vidas, outros achavam que era um exagero as vozes que criticavam a existência daquelas poças de água, e até havia alguns que diziam algo de extraordinário, ou seja, que não havia poças nenhumas, (embora elas estivessem bem à vista), e que apesar de tudo, se existiam, a água não estava estagnada e era uma boa água.
Perante a indiferença geral, as poças iam aumentando e logicamente foram-se juntando umas às outras, de tal modo que, em pouco tempo, já não se podia dizer que haviam ali algumas poças de água, mas sim verdadeiramente, um pântano em formação.
Perante esta alteração do meio ambiente, também a fauna daquela região se foi alterando, e onde dantes existiam animais nobres, aves de porte digno, seres de toda a espécie, começava a notar-se a predominância de animais rastejantes, o tipo de animais que vive na escuridão, que ataca pela calada, que se alimentam de carne putrefacta.
Mas ninguém continuava verdadeiramente preocupado ou interessado em resolver o problema.
Mesmo as associações ecologistas que costumavam gerir a disciplina e aplicar os correctivos ao meio ambiente, arranjavam desculpas para não interferirem, para não lançarem medidas de correcção, para não cortarem de vez o mal pela raiz e algumas até parecia que retiravam benefícios da situação.
Dizia-se até, que essas associações sofriam pressões para nada fazerem e deixarem tudo na mesma.
Alguns colocavam uns tímidos sacos de areia nos limites já muito indefinidos do pântano, numa tentativa de o conter, mas a verdade é que o pântano avançava todos os dias mais um pouco e ia tomando conta de tudo.
Mesmo aqueles que ainda caminhavam de pé, começavam a pensar seriamente se não seria melhor começarem também a rastejar, pois tudo indicava que quem estava a viver melhor eram aqueles seres do pântano, que aliás, tudo assim o indicava, estavam a ganhar aquela batalha.
Todo aquele território à “beira-mar plantado”, parecia agora já não ter forças para reagir contra aquela situação, e os vizinhos assistiam preocupados à degradação acelerada dos solos aráveis, das terras boas, das águas puras.
Preocupados com a vizinhança, lançaram alguns avisos, mas os habitantes do território, (cada vez mais rastejantes), fizeram “orelhas moucas”, e sem outra possibilidade de agir, os vizinhos começaram a construir muralhas à volta do território para se defenderem do avanço daquele pântano.
Quando as autoridades do território começaram a pedir ajuda aos vizinhos, estes negaram-na, pois já tinham repetidamente avisado que não poderiam continuar a ajudar, sabendo que toda e qualquer ajuda em vez de combater o pântano, apenas o ia ajudar a crescer cada vez mais.
Dentro do território, as autoridades, fossem elas quais fossem, continuavam a clamar que tudo estava bem, e que todas as coisas que se diziam e escreviam eram campanhas contra o território, eram invejas daqueles que não conseguiam viver a rastejar.
Já havia aliás, uma frase que ia tomando conta da sociedade, e fazia lembrar um livro em tempos muito lido, cujo título era: “Animal Farm”.
A frase era a seguinte:
“Viver de pé é bom
Mas rastejar, é melhor!”
Volta e meia ouviam-se umas vozes a alertar a sociedade, a gritar mesmo aos ouvidos das pessoas, dizendo que era preciso mudar, porque senão iriam todos morrer envenenados nos vapores do pântano.
Mas o povo, inebriado com esses mesmos vapores, que entonteciam como uma droga, nada fazia e deixava tudo na mesma, embalado nos discursos daqueles que tomavam conta do pântano e dele viviam.
A verdade é que esta história nunca mais tinha fim, pois à medida que era escrita, o pântano continua a aumentar e todos continuavam à espera que alguém viesse fazer o trabalho que afinal competia a todos, e que era, expulsar todos os animais rastejantes, (que já estavam em todos os cantos e autoridades do pântano), abrir as comportas dos diques e deixar que a água limpa, a água pura, tudo lavasse, e expulsando a água estagnada, para que a vida voltasse a viver-se de pé e o ar se tornasse novamente respirável.
Confirmava-se que dentro de uns tempos haveria uma nova batalha, que se fazia com uns papéis onde se colocavam umas cruzes, mas já ninguém parecia acreditar que essa batalha resolvesse alguma coisa, pois daqueles que nela estavam empenhados, nenhum parecia já andar de pé, mas sim todos a rastejar.
Parecia haver uma solução, que seria todos aqueles que não quisessem rastejar, e que segundo parecia seriam a maioria, juntarem-se e não entrarem na guerra, deixando os governantes do pântano sem qualquer credibilidade, embora fosse uma solução perigosa.
Assim, todos aqueles que não quisessem rastejar, unir-se-iam e diriam àqueles que estavam empenhados nessa guerra, que nenhum deles servia, porque já nenhum sabia andar de pé, e que portanto teriam de dar lugar a outros novos que quisessem andar de pé e limpar com todo o povo, o pântano, antes que todos, mas mesmo todos, perecessem definitivamente no território que já era só, realmente, um verdadeiro pântano.
Como acabará esta história?
Texto que coloquei no Notas e Ideias, no Sábado passado.
2 comentários:
Parabéns pelo texto. Está excelente.
Fui lê-lo ao "notas". Quatro comentários, é demonstrativo de como o pântano tem alastrado.
Talvez o FP tenha razão:
"Esta história que, obviamente, não corresponde a nenhum país ou sociedade em particular (pois não?) vai acabar ... mal!"
caro Peter
obrigado pela visita e pelas palavras.
Ah, vai acabar mal, vai...
Abraço
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